terça-feira, 28 de agosto de 2007

Falta


Já sentiram que algo falta para nos completar? Algo que trás sentido à vida, que nos enche de uma luz que brilha mais forte?

Já sentiram a falta de algo divino criado para nós? Algo etéreo, sem realidade visível?

Há quem encontre num olhar de um amigo, há quem encontre no conforto das palavras, há quem encontre na solidão consentida.

Há quem encontre num sorriso, num toque, num gesto tímido, há quem encontre num som sublime.

Já sentiram a alegria de quando se encontra aquilo que se procura? Já sentiram o corpo levitar, o coração rebentar de emoção e os olhos encherem-se de um lago de ternura?

Já encontraram o amor?

E quando o encontraram, o que fizeram?

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Morte esperada


Sabor a sal,

a vida transbordante de luz.

Sabor a mel,

a fel doce que amarga meus lábios.

Sabor a flores,

a rosas com espinhos cravados no meu coração.

Sabor a Deus, sabor a infinito,

pedaço de mundo dentro de mim,

pedaço de estrela brilhante que anuncia a tua chegada.

Enfim chegaste!

Tanto tempo que te esperei!

Finalmente vieste ao encontro que marcamos!

Vem, aproxima-te, quero olhar-te nos olhos,

ver se neles ainda se vislumbra o brilho da paz esquecida.

Como esperei a tua chegada!

Dias e dias, sentada nesta velha cadeira que embala os meus sonhos,

contei os minutos, as horas, os dias.

Cada dia sem ti era um renascer tortuoso, uma aurora com raios de sangue.

Agora diante de mim empunhas a tua foice afiada como sinal do teu poder.

Vem junto a mim sussurrar as palavras que esperei ouvir.

Vem, toma o meu corpo cansado e gentilmente,

encaminha a minha alma aos pés do criador.



foto: http://www.flickr.com/photos/giara/315645438/

Sonho


Perdi-te no momento em que te aproximei do céu.

Enamorei-me de uma estrela, eu, um ser da terra.

Desejei um amor impossível. O ar e a terra só se unem na linha do horizonte e essa, em dias de nevoeiro abandona-nos sem piedade.

Voltaste para o firmamento, junto da lua e dos astros, deixaste-me com a minha solidão, saudade dorida que em mim nunca tem fim. Nas noites frias de Inverno as nuvens esconde a tua beleza. Só nas noites de Verão, quando a lua permite, alcoviteira de enamorados, posso ver o teu brilho ao longe.

Porque é que só desejamos aquilo que não podemos ter? Quimeras inalcansáveis, devaneios, enfim, sonhos de poeta louco. Mas creio que o amor é assim: imprevisível, ambicioso, audaz aventureiro que nos impele para o desconhecido. Que seria de mim sem a esperança que me alimenta e trás acesa em mim a vontade de viver? É nesse palco de luz que me perco em ti, na ilusão de que lá longe ainda pensas em mim, que não me esqueceste e que, no fundo no fundo, vives porque eu vivo.

domingo, 26 de agosto de 2007

Outras vidas


Lembro-me de outras vidas que vivi, trago em mim imagens como recortes da vida real, recortes antigos, tão antigos como o começo do mundo.

Fui outrora o sol, a estrela à volta da qual todos giram, hipnotizados pelo seu calor. Irradiei luz, enchi de vida a escuridão do mundo e aqueci todos os corpos que me procuravam. Morri e voltei a nascer. Cada dia morria de novo, para nascer a seguir, senti em cada pedaço do meu ser celeste a força vibrante que impulsiona o universo. Fui Deus para alguns, motivo de medo e admiração para outros. Ninguém me conheceu ao certo.

Fui lua, astro mágico que acompanha a trajectória do planeta azul. Inspirei poetas e amantes, enchi-me de luz e iluminei a noite. Fui palco de paixões, de tragédias, encontros e desencontros. Projectaram em mim o amor e o poder mais profundo do mal, representei a fêmea, a inconstância, o sonho, a loucura escondida. Cada dia morria para nascer de novo. Mais uma vez, ninguém me conheceu ao certo

Fui árvore tosca e densa escondida na floresta. Alimentei-me de solo putrefacto e bebi a luz do sol. Acenei ao mundo os meus ramos, dei-lhe o ar que ele respira. Deixei pousar as aves, dei abrigo aos animais, fui encosto de amantes e arma dos fracos. Sabia de cor a voz do vento que arrasta as tempestades, sabia todas as cores, todos os cheiros e ninguém me julgava viva. Morri uma só vez e o que restou de mim fez nascer as rosas.

Agora sou esta que anda perdida no mundo. Já não irradio calor nem ninguém gira à minha volta, já não ilumino a escuridão nem sou musa de poetas. Fui sol, fui lua e não esqueci. Fui árvore e ainda sei de cor o cheiro da terra, o sabor da chuva e o som do vento. Continuo a ser filha da natureza, parte deste todo que se completa no mapa do meu corpo, sou o elo que une o divino ao real e os torna um só. Sou humana, sou ser viventes, ser com alma, ser que sente, ser que ainda não encontrou o seu lugar.

Pelo menos algo continuará na mesma, algo constante e eterno, serei sempre o corpo morto que fará nascer as rosas.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O silêncio do tempo


O silêncio instalou-se.

Não há murmúrios ou som, apenas um vazio que ecoa no tempo. O tempo, esse, é uma ampulheta partida: existe mas não se vê passar no meio do caos.

Passeio pela vida como um turista. Não conheço a paisagem, ando às cegas procurando o caminho, vou de encontro aos obstáculos porque não sei como evitá-los.

Vou perder-me enquanto conheço paragens novas, caras novas. Vou andando até cair para o lado de exaustão ou tédio.




terça-feira, 21 de agosto de 2007

Procuro




Procuro uns olhos que vejam no mais profundo do meu ser.

Procuro uns braços que me prendam junto ao peito e acalmem as minhas ânsias.

Procuro uns lábios que se curvem num sorriso quando estou perto, que sussurrem palavras quentes ao meu ouvido.

Procuro uma voz que ecoe dentro de mim e me faça tremer até aos ossos, uma voz que me leve até ao céu.

Procuro um ser que me assalte por inteiro e que retire de mim o amor que guardo. Alguém que se entranhe na minha pele como odor acre, como suor salgado escorrendo no meu corpo.

Procuro uma alma que conheça a minha de outras vidas e sonhos, que complete a minha num laço firme de nó cego.

Quero esvaziar o meu coração até à última gota de amor, morrer com ele seco mas feliz.

Quero terminar os meus dias a escrever as memórias e não os lamentos de emoções que não vivi.

Quero colocar num local inantigível os medos que trago como farpa cravada no meu peito e esquecê-los. Sim, porque o esquecimento vota à inexistência aquilo que é perecível ou imortal.

A distância entre a felicidade e a amargura é um passo de formiga que um gigante apaga só com um sopro.

foto: http://www.flickr.com/photos/marcotedeschi/413823973/

Pedaços de mim

O vento da saudade sopra na minha direcção. Uiva como lobos perdidos na noite. O luar é o sonho, as estrelas são as cores com que o pinto.
São pensamentos soltos, feitos de realidades repartidas, de tempos diferentes, de situações diferentes. São palavras, gestos e imagens que povoam o meu imaginário reflectindo aquilo que fui e aquilo que sou, como peças de um puzzle difícil de montar.
Não me compreendo, da mesma forma que não compreendo aqueles que me rodeiam, mas prefiro acreditar que é dessa complexidade de géneros que nasce a beleza humana.
Estou cansada de pintar de negro o futuro e relembrar o passado com cores brilhantes. Quero aprender a ter esperança no porvir, acreditar que para lá dos portões da vida nem tudo são buracos profundos que nos absorvem para o vazio. Mas a tarefa não é fácil, a dura realidade sobrepõe-se ao sonho e faz cair por terra qualquer castelo edificado na areia com alicerces de fé apenas feitos.
Existirá alguma mensagem oculta na simbologia confusa da vida que levo? Estarei a perder de vista o sentido primário desta jornada? Talvez, como sempre, a festa acabou e eu cheguei atrasada! Os enfeites estão dispersos no chão: marcas da alegria que passou e que perdi. Desmonto o palco, apanho as canas e volto de novo para o casulo, escondo-me no quente da cama e deixo o sonho comandar a alma. Afinal de contas, sonhar não paga imposto, pois não?

foto: http://www.flickr.com/photos/8404441@N03/508989604/

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Indignação



Criança rota e descalça, suja, com fome e sede de amor.


Criança maltratada, corrida de casa e na rua lançada.


Criança que chora e cala, consente só porque ninguém a ensinou a ser gente.


Criança dorida da pancada, da indiferença com que é tratada.


Criança cuspida, violada, sofrida, calada... sempre calada.


Criança com medo, criança coragem, criança fé, criança que espera por dia melhores.


Criança chora, criança esquece, criança cresce... sempre calada.

Fugi




Fugi.


Minha alma magoada escondeu-se no lugar esquecido do nada. Encontrou refúgio nas horas passadas, recordações que guardo, na esperança que mora secretamente em mim.


Vagueio sem rumo nesta selva de pensamentos e, de quando em quando, perco-me para me achar de seguida, despida e abandonada: despojo de guerra.


Existe sangue no chão. Do céu grossas pingas de dor caem formando poças. Passo por elas, tropeço e sinto esse líquido maldito entranhar-se em cada poro da minha pele. Impura, descrente, fico ali ajoelhada, olhos postos no infinito, aguardando por um perdão que não chega.

Vagabunda, saltimbanco sem destino, sou assim: não sei de onde venho, tão pouco para onde vou.


Estou, ainda assim, presa a uma culpa que não me pertence. Sou humana e o pecado mora em mim. Indigna da centelha divina que arde em minhas veias como lava incandescente, espero que um dia se mitigue.


Quantas vezes desejei ser brisa fresca que corre no vazio, ser raio de luz que mesmo sem vida aquece e glorifica, ser inanimada, pedra ou concha, ser dura, implacável, ponta aguçada de uma navalha em punho.


As cores já não são brilhantes, decididas e únicas, vejo-as agora nubladas, misturadas em tons de cinzento que filtram a realidade que me rodeia.


As forças ameaçam abandonar-me, deixando-me sem nada, árvore balançando na intempérie.


Ah ser nada, o descanso final da alma, grito na escuridão da noite!

foto: http://www.flickr.com/photos/55779084@N00/283656415/

sábado, 18 de agosto de 2007

Meu anjo


Estás preso nos meus sonhos, cativo das minhas ilusões. Não és real se não no momento esquecido em que me perco todas as noites. És o anjo que veio para me salvar, não da morte, mas da solidão.

Vieste parar ao meu imaginário e perdeste as tuas asas na queda. Por isso continuas aqui.

Quando o sol beija o mar, no seu abraço fugaz com a lua, quando esta surge redonda no seu esplendor celestial, a noite cai nos meus olhos e a escuridão viola o meu corpo. A alma vagueia perdida no vazio do sonho e de repente escuto os teus passos. Aproximas-te. Porque nunca ouvi a tua voz? Acaso os anjos não falam?

Paras diante de mim, nu, despojado do pecado original que carregamos em vida. Vens puro abraçar a minha alma. Só tu me podes tocar, eu sou apenas corpo etéreo de luz. Nesse abraço esqueço tudo e viajo para além do sonho.

O tempo para, só a nossa respiração corta o silêncio. Tocas a minha face e eu a tua. Sinto a eternidade percorrer os meus dedos e o infinito fica mais perto. Estamos vivos, isto é real.

Nossos olhares encontram-se e o seu corpo receoso toca no meu, despertando a paixão que trazia adormecida em mim. Famintos, selvagens, caímos por terra. Num abraço eterno, pele contra pele, voei com o meu anjo ao limiar da loucura.

Olhei para o meu anjo e vi-o chorar. Bebi das suas lágrimas o líquido da verdade e ouvi-o sussurrar: "Deixa-me ser livre".

Soltei-o. Voa anjo, voa por mim. Cumpriste a tua parte, libertaste-me da solidão. Voa!

Viro-me para o lado e encontro o teu corpo quente perto do meu. Resmungas algo inconsciente e abraças-te a mim.

Ali ficamos os dois, unidos pelo amor e pela liberdade que ele nos oferece. As tuas asas já não me incomodam. Aprendi a conviver com elas.

Amor



O amor é um sentimento profundo que nos revolve as entranhas. Faz-nos sorrir, faz-nos chorar, leva-nos ao céu e deixa-nos cair no inferno.


O amor é uma artimanha da vida para a tornar interessante e verdadeira. É o sal que a condimenta, é o pico que a torna única e inesquecível.


O amor vem sorrateiro, de noite ou de dia, quer faça chuva ou faça sol. É como a água que se infiltra na rocha e que quando congela, quebra-a. É como uma brasa adormecida que espera apenas um fôlego de ar para espevitar e consumir.


O amor tem origem numa fonte inesgotável, tudo renova, tudo edifica, tudo transforma. O que era mau passa a ser bom e o que era bom... fica ainda melhor!

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Crescer




É tão bom ser criança!


Sentir que cada coisa é diferente, que a cada instante novos mundos de cores e cheiros se abrem diante de nós.


Tenho saudades desse tempo em que junto ao silêncio da tarde via esvoaçar ao longe os meus sonhos de romances e princesas, príncipes e sapos, bruxas e fadas.


Tenho saudades dos castelos que construí, daqueles que as ondas levaram e daqueles que a noite escondeu. Sonhos que sonhei, sonhos que esqueci.


Recordo com saudade as pastilhas que masquei, os chupas que deixei cair e as mãos peganhentas que não lavei.


Recordo com saudade os pesadelos que me acordavam de noite e o abraço quente da minha mãe. O embalar dos seus braços agora cansados e envelhecidos que tantas vezes me protegeram do bicho papão. O bater do seu coração pertinho do meu... tum... tum... tu, dizendo só para mim que tudo vai ficar bem.


Já com mais dificuldade, porque a memória tem dessas coisas, lembro as quedas que sofri, dos tropeções, dos arranhões. Lembro também dos jogos: a cabra-cega, a apanhada e o eixo que nunca saltei, por falta de jeito, mais do que de vontade.


E as prendas mal feitas e sem jeito nenhum que se ofereciam nas datas importantes à mãe e ao pai? "O que conta é a intenção" diziam os outros, enquanto a minha mãe sorria e dizia-me sempre "Está lindo!".


Quantas pinturas, rabiscos, desenhos de mãos e nuvens, estrelas, sóis, borboletas e bonecos defeituosos!


Valeu a pena ser criança!


Voltaria fazer tudo outra vez!

Ilusão




O bater das ondas ao entardecer, largando sussurros ao vento, espalhando pelo ar o seu grito de vida. Esse azul é o espelho da alma onde me vejo e o brilho é a luz que me reflecte.


Estou dentro de ti, no ar que respiras, em cada gota que se evapora e sobe aos céus. Sereno ou agitado, segredo escondido nos lábios de Deus, és espuma que brota do nada e que arranca à vida o travo amargo que a inibe.


Escondidos na gruta do amor, ficamos sós com o desejo. Transcendes-me, plenitude que surge deste sentimento de entrega, de possessão e, ao mesmo tempo, de liberdade.


É incompreensível a dor de não te ter, pequena morte repetida mil vezes quando a tua boca se aparta da minha. Vazio que me envolve e me deixa sem nada para perder.


Consigo sentir o teu sabor na minha pele, o teu calor na cama que partilhamos em sonhos, o teu cheiro em cada recanto da minha memória. Não existes se não para lá da minha loucura, és ilusão, corpo que construo com as minhas mãos.

foto: http://www.flickr.com/photos/susana_castro/878645985/

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Agosto de 2003


Ainda sinto entranhado nas narinas o fumo acre da madeira queimada.

Fecho os olhos e vejo ainda a línguas de fogo que tragam a mata verde

Ardem-me os olhos do terror que me rodeia e das lágrimas que reprimo.

Vermelho, negro, cinzas: é a memória que guardo deste Verão fatídico.

O país está em chamas como nunca se viu desde há 50 anos. Casas ardidas, mato engolido e vidas perdidas. O pânico, o medo e a aflição são sentimentos que trago ainda dentro de mim.

Não sei ainda o que irá acontecer, se esta terra que me viu crescer sairá ilesa deste inferno, ou se também sofrerá as consequências de actos criminosos e ausentes de compaixão.

Esta incerteza paira entre nós como nuvem negra que nos persegue. Impotência, culpa, horror, pena, dor e um enorme e fecundo sentimento de revolta.

Que injustiça!

Nunca esquecerei este mês de Agosto de 2003!

Banalidades


Assisto a um banalizar dos sentimentos, não lhes é dada a devida e merecida atenção.

Em diferentes níveis, vejo crescer a ideia de que para melhorar é preciso passar por cima dos outros. Isto é o desumanizar, a perda da essência humana e a prevalência da matriz animal. Vencer ou morrer, a luta pela sobrevivência, a sobrevivência do mais apto.

Ao longo dos séculos esta tem sido a questão de fundo, mas nunca como hoje se observou a bestialidade.

Onde fica a razão, os sentimentos, a emoção? Os valores que antes regiam as nossas acções foram substituídos por slogans populistas feitos para agradar as massas ignorantes. Estes novos valores são-nos impingidos à força, conduzindo os fracos ao fracasso desilusão.

Raios partam a ignorância!!!

Ser feliz num momento


Por vezes bastam coisas simples para nos fazerem felizes num momento. Uma música, uma palavra, uma imagem. Relatos singelos que quando próximos nos arrebatam a alma.

Com tanta coisa feia acontecendo neste mundo, acabamos por desprezar injustamente as pequenas alegrias que a vida nos reserva. Esquecê-mo-las ou pior ainda, nem as vê-mos.

Uma flor, o céu azul com nuvens brancas, o calor batendo no rosto, o canto dos pássaros, o som da nossa respiração.

Um sorriso nos lábios de alguém especial, um gesto carinhoso que nos aprisiona, um olhar de emoção. Um perfume que trás recordações, uma voz chamando por nós, o sono quando chega, a lua cheia num céu limpo de Verão.

A guerra, as dificuldades e a constante pressa de viver embrutecem-nos, tornam-nos insensíveis, alheios à beleza que nos rodeia. Os pequenos tesouros de Deus na terra.

Fim


E se num instante o céu escurecesse, a lua não iluminasse e as estrelas caíssem? E se o mar secasse, os rios desaparecessem e a chuva não mais caísse?


Se as aves parassem de cantar, se a terra se abrisse ao meio e do seu seio brotassem fogo e fumo?


E se as crianças calassem os risos, se o sol se escondesse para não mais brilhar e as flores perdessem o cheiro?


Se o sal perdesse o seu sabor e o mel deixasse de ser doce, se as cores se tornassem pálidas sombras e o sentir não fosse mais que uma recordação?


E se o teu olhar perdesse o brilho e se apartasse do meu?


Tudo isto não teria interesse se me dissesses: "Estarei contigo até ao fim"...

foto: http://www.flickr.com/photos/cheapclicks/7295762/

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

A Morte




Ela anda escondida entre a multidão, envolta no silêncio maternal, camuflada com o brilho do sol. De noite veste o seu manto negro e sai pelas vielas chorando baixinho, correndo de encontro ao mar.


Desce a encosta descalça, caminha na areia fria, os olhos postos no céu, lágrimas lavando o seu rosto.


Ali fica, fitando o infinito, abraçada a si mesma para não sentir o frio corroer os seus ossos. Balança o corpo devagar e canta uma canção de embalar enquanto a Lua lá no alto se faz reflectir redonda e cheia nas ondas do mar.


O pensamento longe, perdido em outros tempos e lugares, retorna já sem brilho à mente cansada. Senta-se e fecha os olhos por breves momentos. O som calmo e ritmado das ondas e a maresia invadem os seus sentidos e ela retoma a força que perdera com a saudade. Mais reconfortada volta para casa, o gato vadio como única companhia. O retrato em cima da mesa sorri para ela através dos tempos. Agarra nele, num ritual tão cheio de significado e leva-o consigo para o quarto onde finalmente se deixa adormecer.




Definho


O tempo e o espaço estreitam-se num abraço apertado.
O ar adensa-se e torna-se difícil de respirar.
Uma estranha força oprime o meu peito, sufoca-me lentamente.
Definho num sonho do qual tardo em acordar.
Perco os traços que me humanizam e torno-me um robot inanimado, parco, árido em emoções. Embruteço a uma velocidade alucinante e temo não encontrar o caminho de volta.